top of page

O SÁBADO NAS ESCRITURAS

Por Matheus Rosa

                                                                                   

Introdução

 

         A Igreja Adventista do Sétimo Dia foi organizada oficialmente em 1863 e seus pioneiros, em especial, Joseph Bates, considerado pelos adventistas do sétimo dia como “o apóstolo da verdade do sábado”, até então fiéis observadores do domingo, tiveram a influência dos batistas do sétimo dia na sua crença no sábado como dia de descanso e adoração. Essa crença está enraizada na denominação, como é evidente no seu próprio nome. O sábado é tido pelos adventistas como uma questão fundamental no tempo do fim, em que, segundo eles, a adoração será bipolarizada na adoração ao Criador no sábado e na adoração a besta (lê-se papado) no domingo, chamado pela sua profetisa, Ellen G. White (1827-1915), de “sábado espúrio” e “falso dia de repouso”.

         O presente artigo propõe-se a analisar a questão da guarda do sábado à luz das Escrituras. O artigo está dividido nos seguintes tópicos: (1) O sábado no AT; (2) Jesus e o sábado; (3) o sábado e o cristão; (4) o sábado cristão; (5) o modo de observância do sábado por parte dos adventistas do sétimo dia.

 

O Sábado no Antigo Testamento

 

         A palavra “sábado” vem do substantivo hebraico shabbat- תָּבַׁש e significa “cessação, repouso, descanso” e sua primeira ocorrência no cânon bíblico encontra-se registrado em Êxodo 16.23, no episódio do maná no deserto.

         Com a conclusão da criação do mundo, a Bíblia relata que Deus “descansou ao sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito” (Gn 2.2). O verbo hebraico shabat-תַׁבָּש , vertido aqui como “descansar”, também significa “cessar, desistir, pausar” e é traduzido em outras ocorrências como “cessar” (Gn 8.22; Jó32.1; Ez 16.41), “abandonar” (Ê 5.5) e “descansar” (Lv 26.34). Isso está em plena consonância com o fato de que Deus não Se cansa nem Se fatiga (Is 40.28). Além de ter cessado a Sua obra criativa, a Bíblia informa que “abençoou Deus o dia sétimo dia e o santificou” (Gn 2.3). Visto que um dos significados do termo “santificar” é “separar algo para um uso exclusivo”, os adventistas do sétimo dia exploram a palavra “santificar” em Gênesis 2.3 e alegam que esse texto é uma prova que o sábado como instituição legal, como mandamento, foi instituído no Éden e não no Sinai. Mas o argumento em questão não se sustenta pelo fato de que o restante do próprio texto informa a razão de Deus ter abençoado e santificado o sétimo dia: “... porque nele descansou de toda a sua obra, que Deus criara e fizera”. Deus santificou o sétimo dia da semana da criação simplesmente porque Ele descansou nesse dia. Deduzir a observância do sábado a partir das palavras de Gênesis 2.2 e 3 é “ir alé do que estáescrito” (1Co 4.6).

         Ellen G. White, a quem os adventistas do sétimo dia creditam o dom profético, afirma em um de seus escritos que Adão e Eva guardaram o sábado no Éden, antes da Queda:

        “O sábado foi observado antes da queda. Como Adão e Eva desobedeceram ao mandamento de Deus e comeram do fruto proibido, foram expulsos do Éden; mas eles observaram o sábado depois da queda deles” (Spiritual Gifts, vol. 3, p. 52).

         E destaca em outro escrito que o descanso físico era uma necessidade no Éden:

        “Deus viu que um repouso era essencial para o homem, mesmo no Paraío” (Patriarcas e Profetas, p. 48).

         Entretanto, não faria sentido algum a instituição de um dia de descanso em pleno Éden. O cansaço físico é uma das consequências da Queda (Gn 3.17-19), inexistente num ambiente puro, perfeito e imaculado. Mesmo que Adão trabalhasse no cuidado e na preservação do Jardim do Éden (Gn 2.15), certamente tal trabalho estava livre, totalmente isento, dos efeitos nefastos do pecado e da maldição divina contra a natureza. Além disso, não há qualquer evidência textual de que o sábado foi guardado no Éden. Não se trata de “argumento do silêcio”, como alegam os teólogos adventistas, mas de não ultrapassar os limites estabelecidos pelas Escrituras. A ausência de menção da guarda do sábado não se restringe ao período pré-queda, mas se estende também a certa parte do período pós-queda. Os patriarcas não guardaram o sábado. Embora a Bíblia afirme que Abraão guardou os preceitos, estatutos e leis do Senhor (Gn 26.5), convém ressaltar que isso apenas se refere às ordens, como, por exemplo, sair da sua terra de origem (Gn 12.1), andar na presença do Senhor e ser perfeito (Gn 17.1) e guardar o concerto da circuncisão (Gn 17.9-11), dadas por Deus a Abraão. A lei do AT, que incluía os Dez Mandamentos e, consequentemente, o preceito do sábado, foi dada 430 anos após a promessa de Deus a Abraão (Gl 3.17) e era desconhecida aos patriarcas (Dt 5.1-3). Isso não impede, é claro, de povos na antiguidade terem tido algum dia de descanso semanal. Ao abençoar, santificar e descansar no sétimo dia, Deus estabeleceu o princípio do dia de repouso que, mais tarde, foi incorporado à lei mosaica. Tal princípio, porém, não possuía força prescritiva.

         A primeira observância formal do sábado aparece registrada em Êxodo 16, no episódio do maná no deserto. Logo depois, o sábado foi estabelecido como instituição legal na promulgação da lei no Sinai. Os Dez Mandamentos introduzem o sistema mosaico e são a única porção da lei que foi proferida aos ouvidos do povo e escrita em duas tábuas de pedra como testemunho visível do concerto com Israel pelo dedo do próprio Deus (Êx 31.18; Dt 5.22). Entre esses preceitos, está o quarto mandamento, que ensina a observância do sétimo dia da semana como dia de descanso (Êx 20.8-11). O quarto mandamento também é repetido em Deuteronômio 5, especialmente nos vv. 12-15, em que Moisés profere uma cópia do discurso de Deus registrado em Êxodo 20.1-17.

         O sábado se constituía num sinal do concerto entre Deus e Israel: “Tu, pois, fala aos filhos de Israel, dizendo: Certamente guardareis meus sábados, porquanto isso é um sinal entre mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que eu sou o SENHOR, que vos santifica... Guardarão, pois, o sábado os filhos de Israel, celebrando o sábado nas suas gerações por concerto perpétuo. Entre mim e os filhos de Israel será um sinal para sempre; porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, e, ao sétimo dia, descansou, e restaurou-se” (Ê 31.13,16,17; grifo acrescentado). Mesmo que seja mencionado um evento universal (a criação do mundo), o sábado é apresentado no texto supracitado como um sinal entre o Senhor e os filhos de Israel e como um concerto perpétuo. A guarda do sábado era um sinal distintivo de que os filhos de Israel pertenciam a Deus: “E os tirei da terra do Egito e os levei ao deserto. E dei-lhes os meus estatutos e lhes mostrei os meus juízos, os quais, cumprindo-os o homem, viverá por eles. E também lhes dei os meus sábados, para que servissem de sinal entre mim e eles, para que soubessem que eu sou o SENHOR que os santifica... E santificai os meus sábados, e servirão de sinal entre mim e vós, para que saibais que eu sou o SENHOR, vosso Deus” (Ez 20.10-12,20; grifo acrescentado). Ao lado da circuncisão (Gn 17.11), o sábado era um dos sinais distintivos do povo judeu ao longo dos séculos.

         Além do sábado semanal, a lei de Moisés estipulava a observância de 7 sábados anuais, a saber, o primeiro dia da Festa dos Pães Asmos (Lv 23.6), o sétimo dia da Festa dos Pães Asmos (Lv 23.8,11), Pentecostes (Lv 23.24,25), Festa das Trombetas (Lv 23.26,21), Dia da Expiação (Lv 23.29-31), primeiro dia da Festa dos Tabernáculos (Lv 23.34,35) e sétimo dia da Festa dos Tabernáculos (Lv 23.36), mais o ano sabático (Lv 25.1-7), e do sábado mensal, a Festa da Lua Nova (Nm 28.11,14; cf. Am 8.5). Eram também chamados de “sábados” porque nessas festividades solene o povo abstinha-se de atividades seculares e comerciais. A Bíblia chama ambos de “meus sábados [do Senhor]” (Êx 31.13; Ez 20.12,20) e “seus sábados [de Israel]” (Os 2.11) ou “vosso sábado” (Lv 23.32), sem fazer distinção de qualquer natureza (Lv 26.2,34,43). A mudança no pronome possessivo nesse caso não implica numa distinção entre o “sábado moral” (sáado semanal) e os “sábados cerimoniais” (sábados mensais e anuais) como argumentam alguns apologistas adventistas do sétimo dia.[1] Tanto o sábado semanal como os sábados ditos cerimoniais são denominados por Deus de “minhas solenidades” (Lv 23.2). E todos  esses sábados prescritos pela lei mosaica estavam relacionados ao sistema de sacrifícios vigente no AT, inclusive o sábado semanal (Nm 28.9,10).

 

Jesus e o Sábado

 

         Na época do profeta Jeremias, o povo estava negligenciando a observância do sábado (Jr 17.19-23). Mesmo sendo advertido (Jr 17.27), o povo não deu ouvidos à voz do Senhor e o resultado foi o cativeiro babilônico (2Cr 36.21), que durou 70 anos (Jr 25.11,12; 29.10). No período pós-exílio, tendo consciência de que um dos motivos do povo de Deus ter ido para o cativeiro foi a violação deliberada dos mandamentos de Deus, incluindo o sábado, as autoridades religiosas judaicas criaram em torno do sábado regulamentos meticulosos, que determinavam o que era permitido ou não fazer no sábado. O Mishná prescrevia 39 restrições para o dia de sábado, entre elas, cuspir e escrever. A motivação dessas regras adicionais era boa e consistia em evitar um novo cativeiro, mas teve por resultado a promoção de uma observância legalista e opressiva do sábado. Por causa desses regulamentos, Jesus debateu diversas vezes sobre a questão do sábado.

         A mais conhecida controvérsia entre Cristo e os fariseus sobre o sábado é a que está registrado em Mateus 12.1-8 e em suas passagens paralelas (Mc 2.23-28; Lc 6.1-5). Ao ser interrogado pelos fariseus sobre uma atitude dos Seus discípulos (a de colher espigas no sábado para saciar a fome) que era ilícita, ou seja, que não estava de acordo com a lei (cf. Êx 34.21), Jesus citou o episódio em que Davi e seus homens comeram dos pães da proposição (1Sm 21.1-6), pão este cujo consumo era restrito pela lei de Moisés aos sacerdotes (Êx 29.33; Lv 22.10). Com isto, Jesus quis mostrar que a necessidade humana está acima da formalidade religiosa. Jesus foi além e disse que os sacerdotes no templo violavam o sábado e ficavam sem culpa (Mt 12.5). No sábado, os sacerdotes ofereciam o dobro de sacrifícios costumeiros e consequentemente faziam um esforço que era incompatível com o sábado (Nm 28.9). Mas a lei os isentava de qualquer culpa de estarem quebrando o sábado porque estavam executando o trabalho sagrado. Após citar Oséias 6.6, o Senhor Jesus afirmou a Sua autoridade sobre o sábado: “Porque o Filho do Homem até do sábado é Senhor” (Mt 12.8).

         Jesus efetuou muitas curas e libertações no dia de sábado, o que atraiu para Si a fúria dos líderes religiosos, que O acusavam de violar o sábado (Jo 5.18). Mas, como ensinou o próprio Senhor Jesus, exercer obras de misericórdia no sábado não é incompatível com o quarto mandamento: “Pois quanto mais vale um homem do que uma ovelha? É, por consequência, lícito fazer bem nos sábados” (Mt 12.12). A lei de Moisés proibia o exercício de atividades seculares e cotidianas no sábado, mas não de obras que aliviassem a dor e o sofrimento do próximo. Os Seus milagres no sábado não eram, portanto, uma violação do sábado. Jesus foi o único que cumpriu toda a lei (Mt 5.17).

O Sábado e o Cristão

 

            A lei de Moisés foi promulgada com um propósito duplo: Revelar o pecado (Gl 3.19; cf. Rm 3.20; 7.7) e conduzir a Cristo      (Gl 3.24; cf. Rm 10.4). Essa função, porém, duraria até a vinda do Messias: “... até que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita” (Gl 3.19). Por isso, a Bíblia destaca que a lei era transitória: “E, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, veio em glória, de maneira que os filhos de Israel não podiam fitar os olhos na face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, a qual era transitória... Porque, se o que era transitório foi para glória, muito mais é em glória o que permanece” (2Co 3.7,11; grifo acrescentado).

         Tendo cumprido a sua função no Plano da Redenção, a lei tornou-se desnecessária como tutor do povo de Deus: “Mas, depois que a fé veio, já não estamos debaixo de aio” (Gl 3.25). Assim, o cristão está desobrigado para com a lei mosaica: “Assim, meus irmãos, também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo, para que sejais doutro, daquele que ressuscitou de entre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus... Mas, agora, estamos livres da lei, pois morremos para aquilo em que estávamos retidos; para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra” (Rm 7.4,6). A Bíblia vai além e afirma que a lei foi anulada por Cristo no Calvário: “Aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz” (Ef 2.15, ARA; grifo acrescentado); “Com isso, está abolida a antiga legislação, por causa de sua ineficácia e inutilidade. Pois a lei nada levou à perfeição. Apenas foi portadora de uma esperança melhor que nos leva a Deus” (Hb 7.18,19, Ave Maria; grifo acrescentado). A verdade moral da lei, contudo, foi resgatada pela graça e adaptada à ela (e.g. Ef 6.1-3). Em 49 d.C., o Concílio de Jerusalém definiu a relação entre o cristão e a lei de Moisés: Que o cristão não deveria ser submetido ao jugo da lei mosaica, apenas tendo que guardar algumas prescrições (At 15.28,29).

         O sábado também está envolvido na abolição do sistema mosaico. Após mostrar que a acusação da lei contra nós foi cancelada na cruz do Calvário (Cl 2.14), o apóstolo Paulo passa a enfatizar a transitoriedade dos dias santos do calendário judaico, incluindo o sábado semanal: “Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (Cl 2.16,17; grifo acrescentado). O sábado é um símbolo do descanso da salvação encontrado em Cristo (Mt 11.28-30) e também representa o repouso celestial, do qual os salvos gozarão plenamente na eternidade: “Portanto, resta ainda um repouso para o povo de Deus” (Hb 4.9). Aqui, ocorre pela primeira e única vez no NT o substantivo sabbatismos-σαββατισμὸς “descanso”, vertido por algumas versões, como a Nova Versão Internacional (NVI), por exemplo, como “descanso sabático” ou fraseologia similar. A Bíblia de Jerusalém (BJ) traduz o termo como “repouso de sábado”. O sábado é, portanto, uma sombra que apenas reflete a realidade, mas que perde o seu valor e a sua razão de existir quando chega a realidade, que é Cristo. NEle, podemos encontrar o descanso tipificado e prefigurado pelo sábado.

         Encontramos no NT alguns textos que abordam a guarda de dias. Um deles é Romanos 14.5 e 6. O apóstolo Paulo escreveu essa epístola para uma igreja composta em sua maioria de judeus, que ainda observavam os serviços da sinagoga e seguiam vários preceitos da lei do AT. Por isso, o apóstolo Paulo colocou a guarda de dias, o que provavelmente inclui o sábado, e as leis dietéticas do AT como mera opção pessoal. Mas ele considerava a guarda de dias um retrocesso espiritual: “Mas, quando não conhecíeis a Deus, servíeis aos que por natureza não são deuses. Mas agora, conhecendo a Deus ou, antes, sendo conhecidos de Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós que haja eu trabalhado em vão para convosco” (Gl 4.8-11; grifo acrescentado).

         A guarda de um preceito da lei obrigava a observância de toda a lei de Moisés (Gl 5.3). Esse princípio é reafirmado por Tiago, o meio-irmão de Jesus, em sua epístola: “Porque qualquer que guardar toda a lei e tropeçar em um só ponto tornou-se culpado de todos” (Tg 2.10). Devido ao fato de o ser humano ter inclinações naturais ao pecado (Rm 7.19), ninguém, exceto Jesus (Mt 5.17), cumpriu toda a lei e, por isso, quem tenta fazê-lo se coloca debaixo da maldição de Deus: “Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque escrito está: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las” (Gl 3.10; cf. Dt 27.26). Por isso, os adventistas do sétimo dia erram ao guardarem somente os Dez Mandamentos mais o mandamento do dízimo e as leis alimentares de Levítico 11. Deveriam guardar todos os 613 preceitos da lei de Moisés, e não somente uma parte dela, para serem coerentes com sua crença.

 

O Sábado Cristão

 

         A ressurreição do Senhor Jesus é o sustentáculo da fé cristã. Sem ela, a mensagem cristã perde o seu sentido e valor (1Co 15.13-17). Com a ressurreição de Cristo, os cristãos passaram a se reunir no primeiro dia da semana para a adoração cristã coletiva. O primeiro culto cristão aconteceu num domingo: “Chegada, pois, a tarde daquele dia, o primeiro da semana, e cerradas as portas onde os discípulos, com medo dos judeus, se tinham ajuntado, chegou Jesus, e pôs-se no meio, e disse-lhes: Paz seja convosco!” (Jo 20.19). O segundo culto também, pois a Bíblia diz que isso aconteceu “oito dias depois” (Jo 20.26).

         Os cristãos primitivos se reuniam no primeiro dia da semana para celebrar a Ceia do Senhor: “No primeiro dia da semana, ajuntando-se os discípulos para partir o pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte, falava com eles; e alargou a prática até à meia-noite” (At 20.7). A expressão “partir do pão” é um termo usado para a Santa Ceia (At 2.42; 1Co 10.16; 11.20-26). No domingo, eram coletados nas igrejas ofertas voluntárias para socorrer os pobres e necessitados: “Ora, quanto à coleta que se faz para os santos, fazei vós também o mesmo que ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade, para que se não façam as coletas quando eu chegar” (1Co 16.1,2). Assim, o sábado cristão, o domingo, passou a ser o dia de culto em memória à ressurreição de Cristo, que ocorreu num domingo, sem imposição legal ou norma. Em Apocalipse 1.10, o domingo é chamado de “o dia do Senhor” pelo apóstolo João já no fim do século I d.C.

         Os adventistas do sétimo dia argumentam que a observância do domingo como dia de adoração em substituição ao sábado do sétimo dia foi instituída pelo imperador Constantino em 321 d.C. com um edito que ordenava o descanso dos cidadãos do Império Romano no chamado “venerável dia do Sol”, mas tal argumento carece de fundamento histórico. Além do testemunho do Novo Testamento, o testemunho dos Pais da Igreja, líderes de comunidades cristãs que viveram nos primeiros séculos da nossa era (alguns deles, como Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna e Pápias, conheceram alguns dos apóstolos de Cristo), confirma que a Igreja Cristã já tinha como costume se reunir no domingo para a adoração cristã coletiva:

 

Didaquê (c. 90-135 d.C.): “Reúna-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer após ter confessado seus pecados, para que o sacrifício seja puro” (Didaquê 14:1).

• Inácio de Antioquia (c. 35-107 d.C.): “Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor em que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte” (Magnésios 9:1).

• Justino Mártir (c. 100-165 d.C.): “No dia que se chama do sol [domingo] se celebra uma reunião de todos os que moram nas cidades e nos campos, e ali é lido, enquanto o tempo o permite, as recordações dos apóstolos ou os escritos dos profetas. Depois, quando o leitor termina, o presidente, fala, e faz uma exortação e convite a que imitemos estes belos exemplos. Em seguida nos levantamos todos e elevamos nossas preces, e quando terminamos, como já dissemos, se oferece pão, vinho e água, e o presidente, segundo suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças, e todo o povo exclama dizendo: ‘Amém’. Agora vem a distribuição e participação, que se faz a cada um, dos alimentos consagrados pela ação de graças e seu envio por meio dos diáconos aos ausentes” (Apologia I, 67).

• Epístola de Barnabé (c. 70-135 d.C.): “Eis por que celebramos como festa alegre o oitavo dia, no qual Jesus ressuscitou dos mortos e, depois de se manifestar, subiu aos céus” (Epístola de Barnabé 15:9).

• Tertuliano (160-222 d.C.): “Nós, porém, (segundo nos há ensinado a tradição) no dia da ressurreição do Senhor devemos tratar não só de nos ajoelhar, mas também devemos deixar todos os afazeres e preocupações, adiando também nossos negócios, a menos que queiramos dar lugar ao diabo” (De orat., XXIII; cf. “Ad nation.”, I, XIII; “apology.”, XVI).

• Cipriano de Cartago (200-? d.C.): “Como o oitavo dia, isto é, o dia imediatamente após o Sábado era o dia em que havia de ressuscitar o Senhor, e nos havia de dar a vida com a circuncisão, por isso na lei antiga se observou este dia” (Carta LVIII, A Fido sobre o batismo das crianças).

         Ao contrário do que alegam os adventistas do sétimo dia, o Edito de Constantino não alterou nenhuma prática dos cristãos, como destaca a enciclopédia virtual Wikipédia:

        “Embora alguns cristãos tenham usado o decreto como apoio à guarda do domingo, para tentar solucionar a polêmica de guardar o sábado ou o domingo na Igreja Cristã, na realidade, o decreto não se aplica aos cristãos ou judeus. Por uma questão estreitamente relacionada, Eusébio afirma: ‘Por sorte não temos nada em comum com a multidão de detestáveis judeus, por que recebemos de nosso Salvador, um dia de guarda diferente.’ Embora isso não indique uma mudança do dia de guarda no cristianismo, na prática o édito não favorece um dia diferente para o descanso religioso, inclusive o sábado judaico. Este édito fazia parte do direito civil romano e em sua religião pagã, e não era um decreto da Igreja Cristã ou se estendia às religiões abraâmicas. Somente em 325 d.C., no Primeiro Concílio de Niceia, o domingo seria confirmado como dia de descanso cristão, e a guarda do sábado abolida no Concílio de Laodiceia” (grifo acrescentado).[2]

Guardam Realmente o Sábado os Adventistas do Sétimo Dia?

 

         Mesmo que se intitulem guardadores do sábado, a forma como os adventistas observam o sábado pode ser classificada como light, pois acontece de acordo com a própria conveniência, e não de acordo com o que determina as Sagradas Escrituras. Seu modo de observância está muito distante do dos judeus ortodoxos.

         A lei de Moisés, por exemplo, proíbe acender fogo no sábado: “Não acendereis fogo em nenhuma das vossas moradas no dia de sábado” (Ê 35.3). Mas, segundo a profetisa adventista Ellen G. White, deve-se aquecer as refeições preparadas no dia anterior no sábado:

        “Embora deva a gente abster-se de cozinhar aos sábados, não é necessário ingerir a comida fria. Em dias frios, convém aquecer o alimento preparado no dia anterior” (Testemunhos Seletos, vol. 3, p. 24).

         As refeições aos sábados na casa de Ellen White foram descritas por sua nora, numa declaração datada de 16 de outubro de 1949:

        “Toda a preparaçã possíel era efetuada na sexta feira, o dia da preparaçã, para as refeições aos sábados. No sábado, o alimento, tanto para o desjejum como para o almoço, era servido quente, tendo sido esquentado imediatamente antes da refeição. Todo serviço desnecessário era evitado no sábado, mas em nenhuma ocasião Ellen White considerou uma violação da devida observância do sábado prover os confortos ordinários da vida, como fazer fogo para o aquecimento da casa ou para esquentar o alimento a ser ingerido nas refeições” (Mensagens Escolhidas, vol. 3, 263).

         Outro flagrante exemplo é a questão do sexo no sábado. Os adventistas do sétimo dia estão divididos a respeito do tema e não há nenhuma declaração clara nos escritos de Ellen White que mostre uma posição dela favorável ou contrária à prática. Mas há quem defenda que não é transgressão do quarto mandamento ter relações sexuais no sábado, como é o caso de Leandro Quadros:

        “[...] nossa posição é que não há nada que possa tornar ilícito ou imoral o ato sexual no dia do sábado. Isto é, desde que seja um ato legítimo que não interfira com o dar a primazia a Deus e às atividades sagradas do sábado planejadas pela igreja. Também pensamos que, embora seja legítimo fazê-lo no sábado, não se deveria planejá-lo sistematicamente para esse dia, como tampouco para nenhum dia específico da semana, dando assim lugar à espontaneidade” (grifo acrescentado).[3]

         A posição de Quadros, na verdade, representa o entendimento de muitos, não todos, adventistas do sétimo dia sobre o assunto e vai diametralmente contra o que a Bíblia determina para o sábado: “Se desviares o teu pé do sábado, de fazer a tua vontade no meu santo dia, e se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do SENHOR digno de honra, e se o honrares, não seguindo os teus caminhos, nem pretendendo fazer a tua própria vontade, nem falar as tuas próprias palavras, então, te deleitarás no SENHOR, e te farei cavalgar sobre as alturas da terra e te sustentarei com a herança de Jacó, teu pai; porque a boca do SENHOR o disse” (Is 58.13,14; grifo acrescentado).

         Há atividades que os adventistas do sétimo dia executam no dia de sábado, como o acesso a Internet, às redes sociais e aos aplicativos de mensagem instantânea (com o pretexto de evangelizar, mas há conteúdos no ambiente virtual que podem

ferir o espírito do sábado) e o uso de transporte público, de energia elétrica e de abastecimento de água, serviços que dependem do trabalho de outras pessoas para serem mantidos, para citar mais alguns outros exemplos, que não estão em harmonia com o mandamento do sábado. O mandamento ordenava que até mesmo os escravos que residissem com um hebreu também descansasse no sábado (Êx 20.10; Dt 5.14).

Conclusão

 

         Na Nova Aliança, guardar o sábado é submeter-se a um jugo do qual Cristo nos libertou (Gl 5.1). É decair da graça (Gl 5.4). É retornar à princípios elementares, fracos e ineficazes (Gl 4.9). O cristão não se encontra debaixo da lei, mas da graça (Rm 6.14). O que era simbolizado pelo sábado podemos desfrutar plenamente em Cristo e em Sua salvação.

Notas

[1] O pastor, escritor e compositor adventista Arnaldo Christianini, in memoriam, argumenta: “Deus descansou no sábado do sétimo dia, porém não fez o mesmo nos sábados anuais. Ao primeiro, Deus clama ‘os Meus sábados’ Ezeq. 20:20; aos últimas, chama-os de ‘seus sábados’ Oséias 2:11; Isa. 1:13 etc. A própria Bíblia estabelece a distinção [...]” (CHRISTIANINI, Arnaldo B. Subtilezas do Erro. 1. ed. Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1965, p. 138). Porém, como já demonstrado no decorrer do artigo, tal raciocínio é errôneo e carece de base bíblica sólida.

[2] Édito de Constantino. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89dito_de_Constantino>. Acesso em: 16 de abr. 2018.

[3] QUADROS, Leandro. Sexo no Sábado? Disponível em: <http://leandroquadros.com.br/sexo-no-sabado/>. Acesso em: 17 de abr. 2018.

bottom of page